sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Conto - O Velho e o Poema - Final

Era apenas mais uma tarde de outubro. O Clima primaveril tomava conta da cidade, dos jardins. Por onde eu caminhava, eu podia sentir o ar perfumado com as rosas e margaridas. Já se passavam algumas vezes desde a última vez que encontrei o velho homem que me inspirava a compor. Desde então, comecei a compor compulsivamente, cada vez mais exaltando as belezas da natureza e do amor. O amor, obviamente, era o anticlímax daquilo tudo. Anoiteceu. Em casa eu cheguei, e fui direto ao meu quarto. Queria deitar, a fadiga imensa sobre os meus músculos implorava por descanso. Porém, em cima da minha cama, encontrei aquele papel surrado. Aquele mesmo papel de tantos anos atrás, que me inspirou a tantas coisas. O li, nele, havia o poema, agora completo e com 3 estrofes, e um convite:

"E na calada da noite, também me sinto um infeliz
Um vazio profundo que ocupa a minha alma
E o meu coração cada vez mais duro de pedra com verniz
Enquanto cai essa chuva que alenta e acalma

E de todos os mistérios, eu me fiz rei
Da minha vida, eu sei que eu nada sei
E do vazio que preenche minha alma, retirei
Um pedaço de amor que jamais sentirei

Mas eis que a liberdade para amar encontrei
Após um longo inverno de sofrimento e dor
O calor chegou à minha alma, me libertei
E agora tudo tem mais cor

PS: Encontre-me amanhã às 9 horas no parque, no banco em frente à roseira"

Suspirei. Deitei. Acordei 6 horas, tomei meu desjejum e saí para respirar o ar fresco da manhã. O sol nascia lentamente, enquanto eu observava aquela roseira. Lembrei-me do velho, aqueles olhos não me eram familiares? Mas quem era ele? Olhei no relógio. 10 pras 9. Senti o cheiro vindo das rosas. O cheiro doce me acalmou. Assim permaneci por algum tempo, quando ouvi aquela rouca voz familiar:
- Ah, aí está você!
Virei-me. Era o mesmo velho da última vez. Mesmo semblante de sabedoria, bem trajado, com um sorriso no rosto. Fiquei imóvel, enquanto ele sentava-se ao meu lado. Contemplei mais um pouco as rosas, e ele disse:
- São lindas, não? Passei toda a minha juventude aqui. E parte da minha vida adulta também.
Suspirei. Olhei pra ele. Aqueles olhos eram muito familiares. Sempre pensei nisso desde o nosso primeiro encontro. Antes que eu pudesse falar algo, ele disse:
- Sei que existem muitas dúvidas a meu respeito, e hoje é o dia que irei deixá-las claras. Por favor, vá em frente.
- Quem é o senhor? - disse, numa reação automática.
- Eu? Um velho. Já vivi, já sofri, já amei. Mas sim, estou mais ligado a você do que você imagina. Olhe bem nos meus olhos, e me diga.
Olhei. Aquela cor, aquele olhar bondoso. E enfim a realidade caiu diante dos meus olhos.
- Mas você está... - disse eu sem pensar
- Morto - continuou o velho - Sim, para você e sua família, eu estou morto. Mas a verdade é que estou bem vivo. Você pode me tocar, veja. Eu respiro. Isso é comportamento de um morto? - sorria o velho, de uma forma quase doentia.
Então era ele. Aquele olhar, lembro-me dele aos meus 3 anos de idade. Na época eu ainda não sabia distinguir as coisas, mas aquele olhar era marcante. Muito tempo depois, quando eu já tinha idade suficiente para fazer perguntas, questionei a minha mãe:
- Mãe, e quem é o meu vô?
Minha mãe suspirou, e disse:
- Seu vô está num lugar muito melhor, mais bonito. Ele está na companhia de papai do céu, e zelando por ti.
Somente algum tempo depois sabia o que esse eufemismo queria dizer. E cresci com essa crença, de que meu vô era morto. E eis que estava ele, na minha frente agora, vivo, sorrindo. Tudo tão embaraçoso. Antes que eu procurasse explicações, ele pôs-se a explicar:
- Eu era muito jovem, quando encontrei o amor da minha vida. Infelizmente na minha época, não havia liberdade para amar. Por força de nossas famílias, eu acabei me casando com a sua avó. Eu não a amava, embora a recíproca não fosse verdadeira. Ela realmente me amou, e me concebeu sua mãe. Mas eu não era feliz. Mesmo tendo eu uma família, eu não era feliz. E então, um dia reencontrei o meu amor. De inicio, nos encontrávamos ás escondidas, nessa mesma roseira, onde namorávamos na juventude. Mas um dia tomei uma decisão. Foi difícil e egoísta de minha parte, largar tudo por um amor. Mas eu o fiz. Então, para a sua avó, eu morri. Foi a única maneira que ela encontrou de suportar isso.
Respirei. Então era isso. Tudo tão confuso. Mas ainda queria saber mais. Sendo assim, perguntei:
- E por que você se aparentava como um mendigo, no nosso primeiro encontro?
- Essa foi uma maneira que eu me encontrei de se aproximar de você. Sabe, quando eu estava aqui na cidade, vi o seu semblante triste. Não sabia o por quê dele, mas resolvi que seria melhor eu te conhecer, te mostrar algo tão belo quanto à vida, que é a poesia. E o principal: a liberdade que vocês tem para amar. Depois, entrei em contato com a tua mãe. Foi ela que lhe deixou este bilhete. Ela entendeu tudo.
Olhei novamente para a roseira. O doce perfume me encantava. Apreciei a beleza ao meu redor. O parque estava cheio agora. Pude ver as crianças correndo, brincando, casais passeando. Era um típico dia primaveril. Então, o velho enfim disse:
- Bem, é a minha hora de partir. Peço-lhe, por favor, que não me procure. Não quero ser mais um estorvo para vocês. Só mais uma coisa: diga a sua mãe que eu a amo. E eu também lhe amo.
E sem dizer mais nada, com lagrimas no olhar, ele me abraçou. E então partiu. Olhei para o horizonte. Olhei para o Sol. Olhei para tudo à minha volta. Aquele era um dia realmente inspirador. Puxei meu bloco de anotações, e compus. Fiz vários poemas: desde a natureza do Sol, até a beleza do amor, e das pessoas, passando pelas árvores, água, grama. Então o sol finalmente se pôs. Encaminhei-me para casa. No caminho, observei um bando de pássaros migrando, provavelmente vindo aproveitar o verão que aqui chegava. Isso rendeu inspiração para mais um poema. Cheguei em casa, ávido de fome. O dia havia sido cansativo, apesar de tudo.
- E então?
Parei de chofre. Era a voz da minha mãe.
- Você sabia de tudo - disse - por quê?
- Sua avó jamais permitiria que ele aparecesse. Foi um choque para ela e para todos nós. Mas sim, seu avô jamais foi feliz ao lado dela, por mais que ela se esforçasse. Na época eu fiquei muito zangada, apoiei ao máximo minha mãe por isso. Mas hoje eu sei que o seu avô fez a escolha certa. Ele optou pela felicidade dele, e temos que conviver com isso.
Ela tinha razão. O egoísmo dele era incompatível com o nosso. Minha mãe continuou:
- Filho, hoje você é livre para amar. Livre para escolher quem bem quiser. Por tanto, seja cuidadoso e escolha bem. É tudo o que lhe peça. Agora venha, você está faminto, fiz sua torta preferida.
Comi. Deitei. Acordei. Compus. Foi assim os meus dias. Meu semblante já não era mais triste. Eu sabia que uma hora haveria de ser, e essa hora iria chegar tão breve quando a luz do sol.

Tão breve...

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei! É jovial e sei lá, gostei :)
Está com um ar doce, sabia.
Beijo.