quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Conto - O velho e o Poema (parte 1)

Passeando certa vez pelos campos, encontrei numa cerca a figura de um velho, aparentemente castigado pela vida. Ele era magérrimo, seus poucos cabelos que ainda lhe restavam eram brancos e sujos, sua barba mal cuidada dava a impressão de que seu rosto não conhecia um barbeador há anos. Ele trajava uns velhos trapos coloridos e rasgados, mas ele parecia não se importar. Quando passei por ele, este me acenou e disse:

- Porque carregas este semblante tão triste?

Eis que isso me chocou. O velho parecia ter lido a minha mente, e mais do que isso, leu o meu coração. Parei de chofre, e imediatamente me virei a ele, com um tom um tanto ranzinza, dizendo:

- Você está enganado.

Tentei concentrar-me novamente em minha caminhada, mas novamente fui interrompido pelo velho.

- Eu sei que estás triste. Todos os homens que por aqui passam são tristes, mas a sua tristeza é diferente. Os demais homens são gananciosos e estão tristes por futilidades. Você parece triste por você.

Foi nesse momento que assenti. O tal velho tinha razão. Mantive-me num silêncio agonizante, quando o velho perguntou:

- Você já fez poesia?

- Não - respondi

- Deveria - prosseguiu o velho - a poesia liberta a alma, é dom da imaginação, é o fruto da mente sã. Filho, eu fui poeta. Amei durante a minha vida toda. Sofri durante a minha vida toda, e a poesia foi a minha libertação. Se quiseres um conselho, leve consigo este pedaço de papel. Nele contém um trecho de um pequeno poema que fiz quando era jovem. Na próxima manhã de domingo chuvosa, quando sentir-se solitário, tão mais quanto hoje, leia-o.

Então, o velho virou-se ao caminho oposto, e por ele seguiu. Não sei quanto tempo fiquei parado olhando aquela cerca vazia, talvez por horas, dias. Talvez hoje, 3 meses depois, eu me mantenha olhando para aquela cerca. Ainda não consegui entender o significado de sua poesia. Na verdade, no papel, constava apenas um único verso:

"E na calada da noite, também me sinto um infeliz

Um vazio profundo que ocupa a minha alma

E o meu coração cada vez mais duro de pedra com verniz

Enquanto cai essa chuva que alenta e acalma"

E então num clarão, a idéia caiu sobre a minha mente.


Ass: Marcel Villalobo

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